Covid-19 obriga Justiça a mediar batalha por respiradores
Epidemia da Covid-19 obriga Justiça a mediar batalha por respiradores
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O crescimento da pandemia do novo coronavírus no Brasil evidenciou a falta de harmonia entre os poderes executivos das esferas estadual, municipal e federal. O conflito vai além dos aspectos políticos e está presente em determinações como a imposição da quarentena e de quem irá arcar com o custo econômico da crise. Mais recentemente, uma das controvérsias diz respeito à gestão de aparelhos hospitalares, como os respiradores artificiais.
Os equipamentos são fundamentais para o tratamento de quadros graves
da Covid-19. E o conflito sobre quem deve gerir esse recurso vem se
tornando relevante no debate público. Um dos pontos de atrito mais
candentes envolvendo os aparelhos aconteceu entre o presidente Jair
Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria.
O presidente se irritou com o pedido estadual para que o governo
federal não confiscasse os respiradores artificiais do sistema de saúde
estadual e chamou o dirigente paulista de oportunista e de estar fazendo
campanha para a corrida eleitoral em 2022. Menos Brasília ou mais
Brasil — não se sabe.
O Ministério da Saúde deseja que a compra e os estoques dos
respiradores sejam centralizados pela União. Diante desse cenário, é
natural que a Justiça se torne um dos campos de batalha entre os
poderes.
Um dos capítulos mais recentes da disputa foi a decisão desta
segunda-feira (30/3), da 2ª Vara Federal de Barueri (TRF-3) que, em sede
de liminar, proibiu a União de requisitar respiradores artificiais a
uma empresa de Santana de Parnaíba.
A magistrada acatou pedido da cidade da Grande São Paulo e declarou
nulo o ato administrativo da União que requisitava sete respiradores ao
município. Na decisão, a magistrada lembra que artigo 24, XII, do texto
constitucional, atribui à União, aos estados e ao Distrito Federal a
legislação concorrente sobre proteção e defesa da saúde.
O juízo também registrou que “é inquestionável a competência
administrativa dos municípios no que tange à prestação dos serviços de
saúde pública local”.
Na ADI 6.341, aliás, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) alegou
que o artigo 3º da Lei 13.979/2020 (com redação dada pela Medida
Provisória 926/2020), que dispõe sobre o enfrentamento à pandemia,
esvaziaria a competência comum dos entes federados nos cuidados com a
saúde (artigos 23, inciso II e 198, inciso I, CF/88) e execução de ações
de vigilância sanitária e epidemiológica (artigo 200, inciso II,
CF/88), concentrando as possíveis medidas para combate ao coronavírus no
âmbito da União.
Em decisão liminar, contudo, o ministro Marco Aurélio, do Supremo
Tribunal Federal, entendeu pela procedência parcial do pedido, indicando
que o dispositivo deve ser interpretado em conformidade com a
Constituição, de modo a não afetar a competência concorrente de estados e
municípios.
Batalha nacional
A decisão da Justiça Federal da 3ª Região está longe de ser a única. Também nesta segunda, o juiz federal substituto Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias, da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu conceder pedido liminar, em sede de mandado de segurança preventivo formulado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e suspendeu requisição do governo federal de dez aparelhos respiradores adquiridos pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto.
A decisão da Justiça Federal da 3ª Região está longe de ser a única. Também nesta segunda, o juiz federal substituto Sérgio Bocayuva Tavares de Oliveira Dias, da 5ª Vara Federal do Rio de Janeiro, decidiu conceder pedido liminar, em sede de mandado de segurança preventivo formulado pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), e suspendeu requisição do governo federal de dez aparelhos respiradores adquiridos pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto.
Nesta sexta-feira (27/3), autoridades do município de Cotia (SP)
foram a uma empresa de respiradores pulmonares — a Magnamed Tecnologia
Médica —, sem autorização para lá ingressar. Acabaram usando a força da
guarda municipal para tomar posse dos aparelhos — ao todo, 35.
O argumento foi o de ajudar a população, com a invocação, para tanto,
de uma decisão judicial que permitia à municipalidade comprar os
aparelhos — mas não deles se apropriar.
Antes do caso envolvendo a administração pública de Cotia, o
presidente em exercício do Tribunal Regional Federal da 5ª Região,
desembargador federal Lázaro Guimarães, deu parcial provimento a pedido
de suspensão de liminar proposto pelo município de Recife, para evitar
requisição, pela União, de mais de 200 respiradores mecânicos.
Constituição resguarda
Para comentar essa verdadeira batalha jurídica envolvendo respiradores artificiais, a ConJur conversou com a professora do departamento de Direito do Estado, da Faculdade de Direito da USP, Maria Paula Dallari Bucci.
Para comentar essa verdadeira batalha jurídica envolvendo respiradores artificiais, a ConJur conversou com a professora do departamento de Direito do Estado, da Faculdade de Direito da USP, Maria Paula Dallari Bucci.
Para especialista, a decisão que proibiu a União de requisitar
aparelhos respiratórios é correta. “Além do que consta da fundamentação
da decisão, deve-se considerar a própria estrutura do SUS, conforme
disciplina a Constituição, artigo 198, parágrafo 1º”, explica. Veja o
que diz o parágrafo:
“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede
regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado
de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo”
Maria Paula aponta que o papel da União segundo a Lei Orgânica da
Saúde é coordenar. “O artigo 14-A, introduzido em 2011 aponta que ‘as
Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite são reconhecidas como
foros de negociação e pactuação entre gestores, quanto aos aspectos
operacionais do Sistema Único de Saúde (SUS)'”, explica.
Segundo ela, “além dos aspectos estritamente técnicos, do ponto de
vista das políticas públicas de saúde, a prática das requisições de
ventiladores tem sido um expediente lamentável, por parte da União”.
Só respirador não resolve
Além dos aspectos jurídicos, a ConJur buscou informações técnicas sobre o tema com o Diretor de Assistência à Saúde da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Guilherme Riccio.
Além dos aspectos jurídicos, a ConJur buscou informações técnicas sobre o tema com o Diretor de Assistência à Saúde da Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, Guilherme Riccio.
Segundo o médico, a simples posse de aparelhos respiradores não
garante tratamento adequado ao novo coronavírus. “Cada aparelho demanda
toda uma equipe de intensivistas. Esses profissionais são treinados para
esse procedimento, que, caso seja feito de maneira incorreta, pode até
matar o paciente. Sem os profissionais certos, o respirador sozinho não
resolve nada”, explica.
O profissional acredita que a pandemia do novo coronavírus exige
cooperação do Governo Federal com governadores e prefeitos. “O corpo
técnico do Ministério da Saúde é muito competente. É preciso muito
diálogo e cooperação entre todos. A mera disputa pelos aparelhos não
resolve nada. Não é assim que se faz política de saúde pública”,
sinaliza.
Aspectos federativos
A disputa pelos respiradores é apenas umas das facetas da falta de orquestração entre as três esferas federativas e da maneira como será regida a relação entre o poder público e os particulares — com o consequente risco de que autoridades flertem com o arbítrio, como aconteceu em Cotia.
A disputa pelos respiradores é apenas umas das facetas da falta de orquestração entre as três esferas federativas e da maneira como será regida a relação entre o poder público e os particulares — com o consequente risco de que autoridades flertem com o arbítrio, como aconteceu em Cotia.
Ainda, as batalhas judiciais acerca da matéria revelam que a gestão
das crises sanitária e econômica não será trivial. Políticas públicas
eficientes, assim, tornam-se artigo de luxo.
Para além do caso dos respiradores, a disputa entre a Prefeitura de
Cuiabá e o governo estadual é outro exemplo dessa falta de orquestração.
No Amazonas, estado e União também estão em desarmonia.
Colunista e articulistas da ConJur têm se debruçado sobre o assunto.
Rodrigo de Bittencourt Mudrovitsch e Lais Khaled Porto, nesta segunda
(30/3), refletiram sobre a necessidade de ação rápida e coordenada do
poder público. Para além da questão sobre “como agir”, paira a dúvida
sobre “quem deve agir”. Competência técnica e jurídica se entrelaçam.
E Marco Aurélio Marrafon, também nesta segunda, propôs uma
constitucional cooperação federativa como medida para enfrentamento dos
desafios que se impõem.
Fonte: ConJur
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