UNIÃO ESTÁVEL RECONHECIMENTO
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Apelação
Cível n.º 2009.001.36041
Apelante:
Sergio de Menezes Filho
Apelado:
Alzira Raide
Relatora:
Des. HELENA CANDIDA LISBOA GAEDE
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL JULGADA PROCEDENTE.
REQUISITOS COMPROVADOS.
ARTS. 226,
§3, DA CF/88
E 1.723 DO
CÓDIGO CIVIL. UNIÃO CONTÍNUA, PÚBLICA
E DURADOURA. EXISTÊNCIA
DE "AFFECTIO MARITALIS".
DOCUMENTOS E DECLARAÇÕES QUE CORROBORAM A ALEGAÇÃO DA AUTORA EM SUA PEÇA
INICIAL. RECURSO A QUE SE NEGA
SEGUIMENTO.
D
E C I S Ã O
Alzira Raide propôs
ação de reconhecimento de
união estável c/c
pedido sucessivo de indenização
por serviços domésticos
em face de Zânia
Silva de Menezes e Sergio de Menezes Filho, representado legalmente por sua genitora, Tereza
Cristina dos Reis Sales, na qual alega que manteve uma união estável
contínua por mais de três anos com o falecido Sérgio de Menezes.
O Juízo da
9ª Vara de
Família da Comarca
da Capital, às fls.
479-484, julgou parcialmente procedente
o pedido, para declarar
a existência da união
estável no período compreendido
entre julho de 2001 até o dia 31 de dezembro de 2003, quando ocorreu o óbito do
companheiro.
Apela o
2º Réu, às fls.
504-510, sustentando o
caráter profissional da
relação entre a parte Autora e o de cujus, eis que ela trabalhava como
enfermeira do mesmo, que tinha idade avançada e sofrera de um AVC que lhe
restringia o discernimento. Alega que perante a sociedade não havia o
reconhecimento de Dona Alzira como companheira do Sr. Sérgio e sim como prestadora
de serviços, que
prestava sua dedicação
e assistência visando
auferir contraprestação
mediante remuneração, de
forma que não
estão presentes os
requisitos necessários à caracterização da união estável, quais sejam,
publicidade, estabilidade, intenção e aparência de formação de uma
família.
Aduz,
ainda, que o de cujus mantinha relacionamento estável com sua genitora, não
podendo ninguém se casar ou contrair união estável com duas pessoas, visto que
nossa lei só admite relações monogâmicas, pelo que requer a reforma da sentença,
para que seja julgado totalmente improcedente o pedido autoral.
Contra-razões
às fls. 515-519.
Parecer
do Ministério Público de 1º grau
às fls. 521, pelo desprovimento do recurso.
É
o relatório.
Discute-se
nos autos a existência união estável entre a Autora e o Sr. Sérgio de Menezes,
pai dos Réus.
O Juízo a
quo julgou parcialmente
procedente o pedido, para
declarar a existência da união
estável no período
compreendido entre julho
de 2001 até
o dia 31 de dezembro de
2003, da sentença
apelando apenas o
2º Réu, ao
argumento de que o de cujus mantinha relacionamento estável
com sua genitora
e não com
a Autora, que
na verdade, mantinha relação de
caráter profissional, eis que ela trabalhava como sua enfermeira.
Passa-se
à análise das provas produzidas nos autos.
Os documentos
de fls. 12, 31 e
32 indicam que
a Autora residia
na Rua Leopoldo Miguez,
nº 140/702, no
bairro de Copacabana,
nesta cidade, sendo
também este o último endereço do de cujus, constante da
Certidão de Óbito de fls. 13.
A Autora
anexou às fls.
18-20 declarações de
três pessoas no
sentido de que teria mantido
com o de cujus,
ininterruptamente, por mais
de três anos
uma união estável,
às fls. 21-24, fotos
do casal, e
às fls. 25-26,
cópia de um
cartão de nata l
e ano novo
enviado ao casal.
Já às
fls. 36, a
Autora anexou cópia
de Declaração do de
cujus, nos seguintes termos:
“Declaro
que passará a ser de propriedade de ALZIRA RAIDE (após a minha morte) todos os
pertences que guarnecem
o apartamento 702
da Rua Leopoldo
Miguez 140 Copacabana”.
Às
fls. 43 consta cópia da “Solicitação de Inscrição/Renovação de Dependente Saúde
Caixa”, que demonstra a sua intenção de colocar a Autora como sua dependente.
A
1ª Ré, filha do de cujus, às fls. 113, afirmou que seu pai se relacionou com a Sra.
Teresa, mãe do 2º Réu, que trabalhava como sua secretária, sendo que esse relacionamento
não passou de alguns encontros, e
que ela nunca foi apresentada a seus familiares e amigos e tampouco morou
com ele sob o mesmo teto.
Disse
que seu pai viveu com sua mãe até o óbito dela em 27/01/91, e, em maio de 1991
conheceu a Sra. Lucia, com quem passou a viver em união estável por 8 anos,
durando até julho de
1999, e que o de cujus
alugou, em 15/11/99,
o apartamento da
Rua Leopoldo Miguez, onde
passou a residir
e até junho
de 2001, apenas
com Carlos Alberto,
filho da empregada doméstica que
trabalhou durante anos na casa de seu pai e foi, inclusive, sua babá.
Depois, começou
a namorar com a Autora,
que, em julho
de 2001, se
mudou para o apartamento de Copacabana, onde viveram juntos
até o falecimento de seu pai, em 31/12/03.
A Autora,
em seu depoimento
pessoal, às fls.
466-467, manifestou que
a título de acordo
concordaria com o
reconhecimento da união
estável a partir de
julho de 2001,
e desistia dos pedidos
indenizatórios feitos na
inicial às fls.
06, incluindo o
dano moral e material,
com que concordaram
ambos os Réus
(fls. 464-465), objetivando
apenas o reconhecimento da união
estável.
A 1ª
Ré, a Sra.
Zânia Silva de
Menezes, em seu
depoimento de fls. 468-469, reafirmou que reconhece a união
a partir de julho de 2001 até a data do falecimento de seu pai, e que
ele “morava com a
Alzira; que ele
dormia em casa; (...) que
não conheceu Teresa Cristina; que
o pai da
depoente falou que
teve um filho
fruto de um
relacionamento extraconjugal com uma secretária; que depois ele disse o
nome; (...) que nunca viu a mãe do Sérgio;
que ele não
morou com Teresa
Cristina; que se
ele falava ou
telefonava ou freqüentava até a
casa não sabe dizer, mas o fato é que com certeza ele morava com a Alzira e antes
com a Lucia”.
Já a
testemunha de fls.
471, irmã do de
cujus, confirmou que
ele viveu com a Autora
na Rua Leopoldo Miguez, e que, embora não soubesse o tempo certo, que teria
sido até a data do
falecimento, bem como
que nunca conheceu
a mãe do
2º Réu, e
este, conheceu apenas na primeira audiência.
Outra irmã
do de cujus, às
fls. 472, declarou
que o Sr.
Sérgio viveu com a Autora de
do ano de
2000 até a
data de seu
falecimento, também conhecendo
o sobrinho, 2º Réu, apenas na
primeira audiência, e que nunca conheceu a sua mãe.
Outra testemunha,
às fls. 473,
também confirmou que o de cujus viveu
com a Autora até a data do
falecimento. Já o Sr.
Carlos Alberto de
Oliveira, às fls.
474, informou que “conheceu
o falecido; que morou
com ele durante
23 anos; (...)
que o depoente
é filho da
Diná que trabalhou com
o falecido de
1971 a 1993,
durante 22 anos;
que quando a
mãe do depoente parou de trabalhar com o falecido em
1993, o depoente saiu da casa do falecido; que retornou em 1996 e ficou até a
data do falecimento; que ele morou com a autora; que ao que se lembra a autora
morou com o falecido desde 2002 até o falecimento”.
Assim, todo
o conjunto probatório
dos autos aponta
para a existência
de união estável entre o de cujus
e a Autora, durante o período de julho de 2001 até 31 de dezembro de 2003, data
do óbito.
Ressalte-se que
a testemunha do 2º Réu
de fls. 476
informou apenas que o falecido
sempre ia visitar o 2º Réu e sua genitora, sem fazer qualquer menção à
existência de união estável entre eles.
A união
estável possui reconhecimento em
sede constitucional como
entidade familiar nos termos
do art. 226, §3º,
tendo a legislação
infraconstitucional
estabelecido seus requisitos, nos
termos do art.
1º da Lei
9.278/96, que possui
norma de semelhante
teor ao disposto no art. 1.723, caput,
do Código Civil de 2002.
Para que
haja o reconhecimento da
união estável, é
necessária a existência
de um relacionamento íntimo
e duradouro do
casal, ficando claro
que o comportamento
entre ambos se caracteriza
como o de
uma verdadeira família
natural, o que se
traduz na affectio maritalis.
Nesse passo,
o art. 1.723
dispõe que é reconhecida
como entidade familiar
a união estável entre
o homem e
a mulher, configurada
na convivência pública,
contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo
de constituição de
família, elementos esses que encontram respaldo no Superior Tribunal
de Justiça como necessários para a sua configuração:
EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO NO RECURSO
ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E
ADMINISTRATIVO. OMISSÃO E
CONTRADIÇÃO NO ARESTO EMBARGADO. MILITAR. PENSÃO POR
MORTE. UNIÃO ESTÁVEL.
SEPARAÇÃO DE FATO.
DIREITO DA COMPANHEIRA À
PENSÃO, EM RATEIO
COM A CÔNJUGE
DO DE CUJUS.
(...)
4. A união estável
tem como requisitos
a convivência pública,
contínua, duradoura e com
intenção de formar
unidade familiar, e se
configura ainda que um dos companheiros possua vínculo
conjugal com outrem, desde que haja, entre os casados, separação fática ou
jurídica.
5. A
companheira possui direito
à pensão por
morte do companheiro, militar,
ainda que casado, uma vez comprovada, nas instâncias ordinárias, a
separação de fato entre os cônjuges. Considerando que o de cujus não deixou
descendentes, há de se operar o rateio igualitário da pensão entre a
companheira e a viúva.
6. Embargos
de declaração acolhidos,
sem resultar, entretanto, na
modificação da parte dispositiva
do julgado.
(EDcl
no REsp 354.424/PE, Rel. Ministro HÉLIO
QUAGLIA BARBOSA, SEXTA TURMA, julgado em 02/12/2004, DJ 17/12/2004 p. 600)É
importante notar que o Ministério Público opinou pela procedência do pedido, para
o fim de reconhecer a união estável havida entre a Autora e o de cujus no
período de julho de 2001 até o se falecimento em dezembro de 2003, por entender
que existe “prova inequívoca nos
autos tanto documental
como testemunhal que
a autora viveu
em união estável
com o finado pelo período
mencionado, não tendo
havido qualquer elemento
comprobatório que demonstrasse que
o obituado teve
vida conjugal com
a genitora do
segundo réu, tanto
pelas declarações do próprio,
como pela declaração
de todas as
testemunhas ouvidas nesta assentada, ficando claro para o MP que
o segundo réu foi fruto único e exclusivamente de uma aventura amorosa de seu
falecido pai. Assim, conclui-se que
não há prova
nos autos que
comprove a existência
de união estável entre
o de cujus e a
genitora do 2º
Réu/Apelante, nada havendo
a reformar na
sentença
recorrida.
A
seguir, a jurisprudência: 2008.001.48963
- APELACAO -
1ª Ementa, DES.
LUIZ FELIPE FRANCISCO - Julgamento:
02/12/2008 - OITAVA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE
UNIÃO ESTÁVEL PROPOSTA EM
FACE DOS FILHOS
DO COMPANHEIRO FALECIDO. PROVA
CONSTANTE DOS AUTOS
QUE NÃO DEIXA DÚVIDA
QUANTO À OCORRÊNCIA
DE UNIÃO ESTÁVEL,
TENDO SIDO COMPROVADO QUE
A AUTORA E
SEU COMPANHEIRO VIVIAM COMO
SE CASADOS FOSSEM,
NÃO MERECENDO PROSPERAR O
INCONFORMISMO DOS APELANTES
QUE LIMITAM-SE A
ADUZIR QUE SEU
PAI MANTINHA COM
A AUTORA TÃO APENAS
UMA RELAÇÃO DE
NAMORO, CONTRARIANDO O DEPOIMENTO DAS
TESTEMUNHAS E BEM
ASSIM A PROVA CONSTANTE DOS AUTOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
DESPROVIMENTO DO RECURSO. 2008.001.57060
- APELACAO - 1ª Ementa, DES. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA - Julgamento: 25/11/2008
- DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL DIREITO DE
FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL.
AÇÃO COM PEDIDO DE DECLARAÇÃO DA
EXISTÊNCIA DE UNIÃO
ESTÁVEL. Comprovada a condição de companheiro através de farta
prova documental e testemunhal, a companheira
sobreviva faz jus
ao reconhecimento judicial
de sua união estável
com o falecido.
Sentença correta. Conhecimento
e desprovimento do recurso. Por tais
motivos, nega-se seguimento
ao recurso, com
fulcro no art.
557, caput do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, 03 de julho de
2009. _ Des. HELENA CANDIDA LISBOA GAEDE – Relatora.
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