IMÓVEIS DIREITO DE PASSAGEM


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITOS REAIS SOBRE BENS IMÓVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DOS AUTORES.
Nulidade da sentença, por insuficiência de fundamentação. Inocorrência.
Pretensão dos autores de compelir a parte ré ao exercício do direito passagem forçada em imóvel pertencente a terceiros, deixando, por conseguinte, de transitar no terreno daqueles. Contexto dos autos em que a solução da controvérsia reside não na discussão acerca do direito de passagem forçada, mas no próprio direito real à servidão de trânsito adquirido pela ré, por usucapião, a cujo exercício os autores não podem se opor.
APELAÇÃO DESPROVIDA.

Apelação Cível

Décima Nona Câmara Cível
Nº 70074073149 (Nº CNJ: 0171429-35.2017.8.21.7000)

Comarca de Garibaldi
FABRICIO PIVA

APELANTE
ALEXANDRE PIVA

APELANTE
OLGA MERLINI GOBBI

APELADO
SIMONAGGIO E CIA LTDA

INTERESSADO
MUNICIPIO DE GARIBALDI

INTERESSADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento à apelação.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária (Presidente), os eminentes Senhores Des. Marco Antonio Angelo e Des. Eduardo João Lima Costa.
Porto Alegre, 07 de junho de 2018.


DES.ª MYLENE MARIA MICHEL,
Relatora.

RELATÓRIO
Des.ª Mylene Maria Michel (RELATORA)
Trata-se de recurso de apelação interposto por FABRICIO PIVA E ALEXANDRE PIVA em face da sentença de improcedência proferida nos autos da ação de obrigação de fazer que movem contra OLGA MERLINI GOBBI E OUTROS.
Faço breve resumo do caso.
Consoante a narrativa contida na inicial, os autores são proprietários e possuidores do imóvel situado na rua João Baptista Debiasi nº 166, descrito na matrícula nº 21.669 do CRI da Comarca de Garibaldi/RS. Referem que a ré Simonaggio & Cia Ltda. é proprietária de um imóvel situado na mesma rua, matriculado sob o nº 4.438, lindeiro ao dos autores. O Município de Garibaldi, também réu, é proprietário do imóvel de nº 4.439, contíguo aos imóveis das rés Simonaggio e Olga Merlini Gorbi. Esta, por sua vez, é possuidora de uma área de terras lindeira aos imóveis do Município e da Simonaggio, mas não é limítrofe ao terreno dos autores. Alegam os autores que a sua área foi adquirida por seus genitores em 2008, ao tempo um terreno baldio, posteriormente cercado e edificado. Assinalam que houve ações judiciais travadas entre as partes, ação demarcatória nº 051/1.12.0003148-0 e ação cautelar de atentado nº 051/1.13.0000159-1, em razão de desavenças entre os autores e a ré Simonaggio Ltda. Entrementes, houve alterações nos acessos às vias públicas (rua João Batista Debiasi e rua Leonir Simonaggio). Assinalam que as terras do Município e da corré Olga Merlini Gobbi são áreas encravadas, para cujo acesso é necessária a passagem por terrenos de terceiros, mais precisamente da ré Simonaggio Ltda., em relação aos quais são aquelas limítrofes. Acrescentam que a ré Simonaggio modificou o acesso das corrés às vias públicas, compelindo os autores a suportarem a sua passagem. Defendem que a passagem deve ser tolerada exclusivamente pelo imóvel da ré Simonaggio Ltda. Requereram fosse esta compelida a desobstruir a passagem das corrés, de sorte que não mais seja utilizado o imóvel dos autores.
O ente público municipal e a corré Simonaggio restaram excluídos do polo passivo da demanda, respectivamente, por desistência da ação e por decisão do juízo a quo que reconheceu a ilegitimidade passiva, esta confirmada em sede recursal (AI nº 70060267374).
A ré Olga, a seu turno, alega em contestação que residia no local havia 51 anos, utilizando-se, ao longo de todos estes anos, da via que é objeto do litígio, sem qualquer oposição. Salienta tratar-se de pessoa idosa, sem meios próprios de locomoção. Refere que a família que alienou aos autores a área em comento sempre tolerou o uso da passagem.  Requereu a proteção possessória.
Ao final, sobreveio a sentença, com o seguinte dispositivo:
ISSO POSTO, julgo improcedente o pedido. Condeno a parte autora no pagamento das custas processuais e de honorários de Advogado da ré Olga, os quais fixo em R$1.500,00, nos termos do artigo 85, §8º, do CPC.

Em suas razões recursais, sustentam: i) ofensa ao artigo 489, § 1º, IV, do CPC, porquanto não enfrentadas todas as alegações deduzidas, relevantes ao desenlace do feito, em especial a aplicação do artigo 1.285, § 1º, do CCB; ii) a sentença deve ser desconstituída; iii) no mérito, o debate dos autos revolve na indagação de o apelantes deverem ou não ser constrangidos ceder passagem à ré, mesmo não lhe sendo lindeiros; iv) o artigo 1.285, §1º, do CCB estipula que deve sofrer tal constrangimento o vizinho cujo imóvel mais natural e facilmente se prestar à passagem; v) não são vizinhos à área da apelada; vi) o imóvel serviente em relação à apelada pertence à empresa Simonaggio & Cia. Ltda., e tem acesso às vias públicas; vii) logo, é este imóvel que deverá suportar o direito de passagem; viii) a exceção de usucapião não constitui a melhor solução para o caso. Requerem a desconstituição da sentença ou, sucessivamente, a sua reforma, julgando-se procedente a ação e determinando-se que a apelada passe a exercer seu direito de passagem em relação ao imóvel de matrícula nº 4.438.
Em contrarrazões, a parte apelada refere: i) direito de proteção possessória, nos termos do verbete nº 415 da Súmula do STF; ii) o recurso de apelação não questiona a configuração da usucapião; iii) a recorrida utiliza-se da servidão de passagem há 51 anos, tratando-se de pessoa idosa e sem locomoção própria. Requer a manutenção da decisão.
O Ministério Público opina pela declinação da competência, em razão da prevenção relativamente ao agravo de instrumento nº 70060267374. De resto, opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação.
Vieram-me os autos por declinação de competência.
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Mylene Maria Michel (RELATORA)
Registro que a decisão recorrida foi publicada sob a vigência do Código de Processo Civil de 2015.
De início, rejeito a arguição de nulidade da sentença por ausência de fundamentação. A solução do caso deu-se com base no direito real de servidão de passagem, razão pela qual não se fez necessária a análise do direito de passagem forçada, de natureza obrigacional. De toda forma, eventual nulidade por ausência de fundamentação é suprida diretamente pelo Tribunal, não se impondo a desconstituição da sentença e a remessa dos autos à origem para nova decisão (art. 1.013, § 3º, IV, do CPC). 
Infere-se dos autos, na visualização do mapa de fl.19, que a parte autora pretende seja a ré Olga compelida a utilizar as passagens identificadas sob os números 5 e 6, para ter acesso à estrada, através da rua Leonir Simonaggio e, de outro lado, através da rua João Batista Debiasi, assim mais mais tolerando a passagem através do acesso indicado pelo número 1 do mapa de fl.20.  Da mesma forma, pretendia fosse a corré Simonaggio compelida a abrir os acessos àquelas vias. 
É incontroverso, porém, pois ausente qualquer impugnação pelos autores, que a ré Olga utiliza sem oposição a passagem identificada como de número 1 do mapa de fl.20 há mais de cinquenta anos, alegação amplamente corroborada pela prova testemunhal e que levou ao acolhimento da exceção de usucapião, nestes autos, relativamente ao direito real de servidão de passagem existente no local.
Com efeito, nos termos do verbete nº 415 da Súmula do STF, “servidão de trânsito não titulada, mas tornada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito à proteção possessória”.
O recurso sequer se insurge contra a exceção de usucapião, limitando-se a arguir que não seria a melhor solução, pois, em se tratando de imóvel encravado, a passagem deve ser tolerada pelo imóvel lindeiro, e não pelos autores.
Todavia, não está em discussão o direito à passagem forçada (art. 1.285 do CCB), de natureza propter rem, mas o direito real de servidão de trânsito, e relativamente ao qual os adquirentes do imóvel serviente não podem se opor. Afinal, o direito real não se extingue pela circunstância de o imóvel serviente ter sido alienado.
Ademais,  para que seja constituída a servidão, é necessário que os prédios tenham uma relação de vizinhança, mas não é imprescindível que sejam contíguos. Logo, o exercício do trânsito de forma inconteste pela ré, por período suficiente à prescrição aquisitiva, enseja a respectiva proteção possessória e supre eventual necessidade de acesso à via pública do imóvel encravado.
Assim, não merece reforma a decisão recorrida.
Ante o exposto, nego provimento à apelação. Em observância ao disposto no artigo 85, § 11 c/c § 2º, do CPC/2015, vigente ao tempo da publicação da sentença, deixo de atribuir honorários recursais, tendo em vista que o valor arbitrado na origem a tal título, em favor da parte apelada, já atinge o balizador legal de 20% sobre o valor da causa.
É o voto.

Des. Marco Antonio Angelo - De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Eduardo João Lima Costa - De acordo com o(a) Relator(a).

DES.ª MYLENE MARIA MICHEL - Presidente - Apelação Cível nº 70074073149, Comarca de Garibaldi: "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. UNÂNIME."


Julgador(a) de 1º Grau: GERSON MARTINS DA SILVA

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